quinta-feira, 31 de março de 2011

Lá no Jobim

Era em Rosário do Sul, no distrito da Cruz de Pedra, lá onde o Google não chega, que ficava (e ainda fica) a casa velha do Jobim. Era uma espécie de pulperia que juntava os andantes e moradores dos redores para confraternizarem num trago de canha, numa conserva de ovo cozido, num churrasco de espinhaço e também para gastar a sola da bota no assoalho de chão batido. Coisa mais gaúcha não poderia haver. Quem vê hoje a casa velha, quieta, fechada, entra dia e sai dia, entra ano e sai ano, não tem um naco de idéia do que fora e significara para os de então uma ida ao Jobim. Quem passar na estrada que leva à vista alegre e vê a casa fechada, não enxerga o balcão todo riscado, nem as prateleiras forradas com canha em qualquer quantia, não enxerga a fileira de cavalos estacionados frente ao bolicho. Não ouve a algazarra que de dentro vinha. Nem os cuscos roendo algum osso deitados no pasto. Não ouve a gaita de oito baixos desafinada que fazia acompanhamento ao violão de corda de aço que tocava e fazia algum índio mais apaixonado fechar outro baio e molhar o bico una vecita más para remediar a saudade de algum amor mal resolvido.
Às tardes, o mosquedo era embaixo de um figueira muito copada que reunia em cepos os que pra casa só voltariam na Segunda-feira.
Essa foi a contextualização, mas o que de mais interessante acontecia no Jobim falerei em outro causo.

quinta-feira, 10 de março de 2011

Outra Vida

Dizem por aí que só se vive uma vez. Discordo. Vivi tantas até hoje. Já fui cabeludo, já quis mudar o mundo, já me interessei e desinteressei com tanta facilidade ou dificuldade que com o tempo percebi que realmente outras vidas estão sempre tomando o lugar da vida que vivemos. Mas tudo bem, vou direto ao ponto.
Andei pesquisando e descobri que você não tem porte de armas, então o que lhe dá o direito de metralhar meu olhar com seus olhos verdes? Ainda ouço o som do primeiro tiro. Deste cabo da vida que até então me pertencia. Agarrei-me à nova achando que poderia enfim fazer dela a permanente. Porém sinto-me tão seguro nesse caminho que percorro como se estivesse mesmo de perna de pau na areia movediça.

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

O Invento da Bússula

Foi procurando o Norte que encontrei você. Lembro bem, era inverno, tremia de frio sobre meu cavalo. O campo era deveras extenso. Coisa para três ou quatro dias de jornada, que com muito empenho decidi cumprir. Naquela época ainda me encontrava ingênuo para essas questões de orientação. O único instrumento de que fazia uso então era a posição da estrela boieira, que em outras tantas madrugas surgiu no nascente para provar que me fazia o caminho certo. Naquela noite de inverno a cerração cobria o céu tirando minha humilde estrela do campo de visão. Senti-me perdido e o frio tornava a situação ainda mais incômoda, porém ao avistar-lhe pareci ter encurtado o caminho. Mais forte do que a luz do candieiro ali pendurado foi seu sorriso que me acolheu e juro, fez o que meu pobre pala não havia feito até então. Encheu-me de calor. Em seu sorriso além da luz havia algo escrito, custei a ler seus lábios e sua feição mas depois de um tempo pude perceber que o que havia ali escrito era essa palavra que sempre povoou minhas jornadas. Destino.
Ouvi dizer de um viajante de outros pagos há algum tempo que a bússola funciona através de um sistema de magnetismo que aponta sempre para o Norte. Tive certeza que meu par de esporas e meu cavalo naquela noite foram minha bússola, pois mesmo perdido de meu real caminho cheguei a você. Deste-me pouso junto a seu galpão. Seu pai muito desconfiado pediu que seu irmão fizesse ronda. O coitado pensando estar abrigando um mascate tinha dentro de seu leito a maior ladra de todas. Meu coração nunca mais fora encontrado depois da manhã em que junto a ti mateei a sombra de uma figueira que fazia frente a sua casa. Tudo que lhe rodeava me pareceu tão perfeito, até mesmo seu irmão que estafado da ronda dormia em plena hora do mate. No entanto como de um pealo caí novamente na estrada pois meu rumo e meu Destino dessa vez não foram irmãos. Naquela tarde fria ao menos o sol mostrou-me o caminho para onde originalmente me encaminhava. Quando voltei alegre, sangrando o pobre amigo que com respeito sempre levou-me onde necessário, descobri que seu coração a outro pertencia e que nem ao menos o meu poderia mais levar comigo. Dois mil anos antes de nosso Senhor. Esse é o tempo que me separa da invenção da tal da bússola. Pergunto-me se haveria nesse instrumento alguma esperança de meu rumo mais uma vez levar-me a meu Destino.